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CPT BAHIA

Consciência negra: a senzala e a casa grande ainda existem

Para falar do povo negro brasileiro precisamos voltar um pouco na história de construção desse país, sabe-se que negros e negras chegaram aqui como escravos (as) e sofreram todos os tipos de maus tratos e humilhação, não eram vistos como seres humanos. Após a abolição da escravidão em 1888 através da Lei Áurea, os negros e negras saíram das senzalas sem nenhum direito ou reparação por anos de serviços, muito menos apoio do Estado. Esse povo que foi obrigado a doar seu sangue e seu trabalho na construção desse país não teve direitos a terra e território, a moradia, a escola, a saúde, ao saneamento básico e a um emprego digno. Diferentemente dos imigrantes que chegaram ao Brasil para substituição da mão de obra nas fazendas durante as políticas de branqueamento (1888 a 1920), em que muitos receberam terras e animais.

Nesse contexto, o negro e negra agora considerados livres depois da abolição, veem-se desempregados (as) e sem nenhum apoio do governo brasileiro para sobreviver e continuar a vida com dignidade. Diante disso são obrigados (as) a se submeter aos piores trabalhos em troca de comida e moradia. Outros foram habitar lugares insalubres das regiões onde viviam, a exemplo de periferias urbanas e comunidades sem nenhuma infraestrutura, tendo como profissão a venda de objetos manufaturados, comidas típicas, remédios caseiros, dentre outros. Muitas negras continuaram na casa do patrão realizando trabalhos precarizados como ama de leite, cozinheiras, lavadeiras e domésticas sem nenhuma garantia e direitos trabalhistas.

Ao povo negro foi negado todas as oportunidades de ascensão econômica e sobrevivência. Ainda eram estereotipados como preguiçosos e vadios, por conta disso muitos foram presos depois da Lei de Contravenções Penais de 1941 que previa a “vadiagem” como crime. Essa lei era um verdadeiro abuso do poder de polícia e do Estado, em que levou muitas pessoas de pele negra a serem presas, simplesmente por estarem desempregadas, ou ter um emprego informal (vendedor (a) ambulante), ou/e por se encontrarem na rua sem documentos. Desse modo, até hoje os presídios brasileiros estão repletos de negros e negras, 66,7% da população encarcerada e 75% das pessoas mortas em ações policiais são da raça negra (FIOCRUZ, 2020).

O negro e negra brasileira continuam a ocupar os piores cargos trabalhistas e com salários mais baixos quando comparados ao branco, sem perspectivas de ascensão profissional e social, devido ao racismo que é estrutural. A senzala e a casa grande existem, só recebeu uma nova roupagem e pintura diante da globalização. Não se pode esquecer que o racismo no Brasil está alicerçado nas relações políticas, econômicas e sociais.   

Dados do IBGE (2019) indicam 56,2% da população brasileira é negra e parda, sinaliza também que o maior índice de analfabetismo e de mortalidade está entre o povo negro. Percebe-se que essa população vem sofrendo com os desmontes das políticas públicas brasileiras nos últimos anos, conquistas conseguidas a “duras penas” que tenta equiparar e reparar anos de injustiça social, que empobrecem, marginalizam e criminalizam o povo negro. Com isso, tem-se o aumento da pobreza, da fome, da mortalidade, do analfabetismo e da miséria no país.

A discriminação no Brasil tem raça, gênero e classe social. Todavia, percebe-se que a raça é um dos fatores determinantes na desigualdade social, fazendo com que haja um aumento de mulheres negras em situação de pobreza e violência. Assim, as mulheres negras e pobres têm papel de destaque, pois são mais afetadas pela discriminação racial e desmonte dos direitos sociais, uma vez que no nosso país ainda impera a visão europeia do branco, cristão e macho, tornando-as reféns de misoginia, machismos e preconceitos.

No Brasil a mulher negra, muitas vezes, é hipersexualizada e vista como objeto, marcas históricas que perpetuam no imaginário social, herança do processo escravocrata em que as mulheres negras se sujeitavam aos seus senhores. Essa objetificação leva a aumento dos feminicídios, estupros e inúmeras outras violências sofridas por este público. São muitas mulheres negras que sofrem assédio moral nos ambientes de trabalhos, na família, na rua, na internet e em qualquer espaço público que frequentam, despertando o medo e a insegurança. Dados da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos no Brasil mostram que até julho de 2022 foram mais de 31 mil denúncias de violências contra a mulher. Observa-se que em muitas situações as mulheres não se sentem confortáveis para denunciar por razões diversas, mas, principalmente, por não ter o apoio do Estado com medidas protetivas eficazes. Lembra-se que a estrutura do Estado na grande maioria é composta por homens, portanto, patriarcal e machista.

Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança, em 2021 a cada sete horas uma mulher era assassinada e de acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2022) “37,5% das vítimas de feminicídio são brancas e 62% são negras”. Nota-se que são dados gritantes, em um percentual cada vez mais alto comparado às mulheres brancas, sendo que durante a pandemia houve um crescimento dos feminicídios por conviverem mais tempo com seus agressores em isolamento social. Ser negra no Brasil é um desafio diário que exige incansavelmente das mulheres, em todos os momentos se reafirmarem como sujeitas de direito que devem ser respeitadas.

Entre os desafios para enfretamento da discriminação racial e gênero está o fortalecimento da luta por políticas públicas de reparação voltadas para a educação, saúde, cidadania e segurança para o povo negro; o reconhecimento justo e solidário dos territórios tradicionais negros com direito a terra e ao meio ambiente sustentável; o desenvolvimento de ações emancipatórias para mulheres negras com empoderamento econômico, político e social; e, enegrecer os espaços públicos de comando e governança.

Angela Rodrigues Pereira

Mulher negra, agente da Comissão Pastoral da Terra do Centro-Oeste da Bahia. Bacharela em Engenharia Sanitária e Ambiental. Tecnóloga em Administração de Pequenas e Médias Empresas. Especialista em Gestão de Pessoas

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