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CPT BAHIA

32 anos sem Drummond

Mais atual do que nunca, a literatura de Carlos Drummond de Andrade faz o ser humano pensar sobre sua própria condição

Vive-se um tempo em que constantes transformações e suas circunstâncias vivenciais incutem nas pessoas a alienação. Os indivíduos do novo mundo instável perdem seus valores como referências na busca de um sentido para a vida. Nessa direção mora a incansável luta do ser humano atrás das respostas às questões existenciais subjacentes à vida que levam a compreensão de quem sou eu? De onde eu vim? Por que estou aqui? O que me espera?

Contudo, seguindo a literatura mundial que não obedece a uma ordem cronológica, portanto, é adequada a qualquer época, questiona-se algumas ideias centrais das quais surgem as indagas acima e que permeiam tantas obras de diferentes segmentos e épocas: o efeito social devastador sob a forma de polarização entre riqueza e pobreza.

Seguindo nessa perspectiva, lembro aqui um ícone da literatura que trouxe à baila a revolta do ser humano e de sua luta, o poeta Carlos Drummond de Andrade. Neste mês de agosto, dia 17, completam 32 anos de sua morte. Sua obra e genialidade poética continuam vivas na nossa literatura, especialmente no contexto social que o país atravessa em que dinamiza uma política de retrocessos, de destruição de direitos conquistados a duras penas.

Uma obra literária se faz dentro de um contexto histórico, o autor escreve de acordo com o seu tempo, com as suas ideologias e influências. No caso de Drummond, especialmente a poesia, está mais atual do que nunca. Continua sendo uma ferramenta de denúncia e de conscientização para os problemas sociais do povo (eu me incluo nesse povo).

 Um pouquinho sobre Drummond

O marco do Modernismo é a Semana de Arte Moderna, em 1922. As obras da primeira fase desse movimento literário refletem o contexto econômico e politicamente turbulento, do qual se destacam a quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, a queda dos preços do café no Brasil, a Revolução de 1930, a Era Vargas, a Revolução Constitucionalista, o Estado Novo, a criação do DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda e a Segunda Guerra Mundial. É nessa euforia que a primeira geração modernista é substituída por uma abordagem mais social, mais explícita na arte de um modo geral, e na literatura é bastante significativo o fato de que os marcos temporais para o início e fim dessa fase coincidam com importantes fatos políticos. Isso revela o estreitamento das relações entre a literatura e a história e uma maior aproximação da literatura à realidade.

Nessa época efervescente surgem novos poetas. Carlos Drummond de Andrade, considerado um dos principais autores da segunda fase modernista, participou da Semana de 1922, no entanto ainda não havia publicado nenhum livro. A carreira de escritor tem início em 1928 quando fundou A Revista com outros escritores e a partir daí soma-se uma vasta bibliografia. Foi em 1940 que Drummond revela grande consciência da realidade social, ao mesmo tempo em que se volta para o passado em busca de explicações sobre o momento presente. Ele publica Sentimento do mundo, livro no qual o poeta se mostra impotente diante dos problemas.

Em seus poemas há o registro da realidade e da reflexão sobre o ser humano. Em alguns momentos propõe modificá-los, em outros mostra-se sem esperança, descrente. Em A rosa do povo (1945) isso é perceptível, Affonso Romano de Sant’Anna (1980) afirma que “o livro tem poemas que descrevem o cotidiano, o medo, a guerra e a vida ‘espandongada’ da cidade”.

Cabe ressaltar que a obra drummondiana está dividida em três fases: a irônica, a social e a metafísica (ANDRADE, 2003, p.16). A fase social está focada na obra Sentimento do mundo e em A rosa do povo. No entanto, é possível observar outros momentos em que Drummond conscientemente poetiza sobre as mazelas da sociedade.

Affonso Romano de Sant’Anna esclarece que é na crescente consciência da poesia de Drummond que se inicia o segundo poeta e José é considerado uma das personagens disfarçadas em heterônimo, pois o poeta fala de si, de seu Ser, mas mesmo utilizando a poesia como seu alter ego, ele está falando do seu tempo, das dores da sua época. Sant’Anna verifica que o poeta é parte de uma estrutura mais ampla e é reflexo da realidade e diz que a “consciência da liberdade e a concepção de um tempo social estão ligadas a uma consciência individual”. E Drummond, junto com Castro Alves, é tido por vários críticos como um autor que em toda a literatura produziu “obras de mais definido conteúdo social e tendência revolucionária”.

Alguma poesia foi o primeiro livro do poeta, publicado em 1930, o mais volumoso e também mais “politizado” livro foi A rosa do povo onde a sua revolta aparece no famoso poema A flor e a náusea: “Preso à minha classe e a algumas roupas, /vou de branco pela rua cinzenta. / Melancolias, mercadorias espreitam-me. / Devo seguir até o enjôo? / posso, sem armas, revoltar-me?”.

A totalidade de sua obra poética é complexa e vasta. Escreveu crônicas, poesias, antologia poética, prosa e textos infantis. Entre as crônicas há uma bastante interessante que reflete a condição e a força da mulher: As mulheres são fantásticas. As obras O avesso das coisas, Moça deitada na grama, Poesia errante, O amor natural e Farewell foram publicadas após a sua morte.

Carlos Drummond de Andrade nasceu em 1902, em Itabira, interior de Minas Gerais, foi funcionário público no Rio de Janeiro, lecionou português e geografia, formou-se em Odontologia e Farmácia, filiou-se ao Partido Comunista, foi Chefe de Gabinete, tradutor de vários autores como Balzac, Garcia Lorca e Molière, redator de jornal – não necessariamente nessa ordem – casou-se e teve dois filhos: o Carlos Flávio que morreu logo depois de nascer e Maria Julieta Drummond de Andrade. Doze dias após a morte de sua filha, em 17 de agosto de 1987, Drummond sofreu um infarto do miocárdio e faleceu prestes a completar 85 anos.

Para concluir

Embora este artigo se preste a homenagear um dos maiores nomes da literatura brasileira é preciso percorrer um longo caminho, assim como o José, para chegar não a uma conclusão de que a literatura é, também, um elemento de denúncia, é a voz de quem não pode falar. A leitura desse poeta dá provas de que a literatura de um modo geral, e especificamente a obra drummondiana, continua atual, mesmo porque os conflitos sociais só mudam de época, mas continuam os mesmos ao longo dos séculos, na medida em que o ser humano é explorado de forma exacerbada e submetido a pressões psicológicas e econômicas incontroláveis.

A poesia como instrumento de crítica social sempre existiu em menor ou maior intensidade. Há uma gama de poetas homens e mulheres, conhecidos ou não, das mais diversas instâncias que escrevem seus textos e publicam, sobretudo nas redes. É poesia social, é literatura de periferia, é literatura marginal, seja qual for a designação é literatura na sua forma de manifestação artística, que tem como material de expressão a palavra, ou seja, é a arte que expressa a beleza, a emoção, a tristeza, a crítica, a denúncia etc.

Uma obra literária, portanto, resulta de um processo de manipulação das palavras por parte do/a autor/a, cujo objetivo é obter determinados efeitos estéticos, dessa forma, despertar certa visão da realidade. É necessário levar em conta que numa obra literária o escritor cria uma realidade artística, selecionando e organizando o seu texto com o intuito de provocar certo impacto no leitor.

O escritor é livre para trabalhar como deseja tanto à forma quanto a parte material da linguagem ou o seu conteúdo, que não se pode confundir com cenas da vida real, ou pode, como Drummond, um artista que se coloca no lugar do outro para descrever exatamente o que se passa, esmiuçar e desvendar o emaranhado da condição humana vista de forma poética, vista com olhos artísticos mas críticos.

Carlos Drummond de Andrade. Presente! Presente! Presente!

Sandra Leny Angelo – Agente da Comissão Pastoral da Terra Regional Bahia

Referências Bibliográficas

ANDRADE, Carlos Drummond. A rosa do povo. 27ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2003.

__________________________. José e Outros. 11ª ed. Rio de Janeiro. Record, 2006.

BOSI, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. 37ª edição. São Paulo: Cultrix, 1994.

SANT’ANNA, Affonso Romano de. Carlos Drummond de Andrade: análise da obra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.


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