Geraizeiros de Formosa do Rio Preto, município do extremo oeste da Bahia, realizaram manifestação na manhã desta quarta-feira, exigindo punição para fazendeiros responsáveis por atentado, atos de vandalismo, roubos, destruição de residências, árvores frutíferas e de um vasto buritizal. A ação dos pistoleiros ocorreu na última sexta-feira (3). Os criminosos deram prazo para os posseiros deixarem o local até a data de ontem (8). E ameaçaram voltar caso não fossem obedecidos.
Os jagunços fazem rondas na região há dias. Encapuzados, impedem os posseiros de recolher as criações de animais. Há suspeitas de que o grupo atue a mando dos donos das fazendas interessados na expulsão da comunidade tradicional.
Formosa do Rio Preto está localizada há 1.019 quilômetros da capital baiana (Salvador). É o maior município do estado (15.634 km²), segundo maior produtor de soja do país e o 11º em Valor de Produção Agrícola, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e nota técnica do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
A ocupação da região pelo agronegócio se expandiu a partir da grilagem de terras. Nos últimos 20 anos, grandes fazendeiros investiram contra as terras em posse dos geraizeiros, normalmente alagadas e impróprias para plantações em grande escala, mas importantes para o cumprimento da lei que determina a preservação de 20% da mata nativa das propriedades.
Sem cumprir essa exigência, os latifundiários não conseguem obter empréstimos, nem outros benefícios. Para cumprir a legislação, empresários do agronegócio tentam tomar os territórios de povos tradicionais que desenvolveram a habilidade de cultivar às margens de pequenos cursos de água e sobrevivem do extrativismo, criação de animais soltos e da agricultura de subsistência. A prática é conhecida como “grilagem verde”.
“Essa história vem de muito tempo. Entre 2002 e 2004 eles [os grandes fazendeiros] quiseram tirar nós. A gente apelou à justiça com ajuda de uns órgãos aí. Chegamos a fazer um acordo pra ninguém mexer com nós” (sic) – diz uma das vítimas da ação de jagunços, que estariam a serviço dos proprietários da Canabrava Agropecuária e da fazenda Itapuã.
O posseiro acrescentou:
“Em 2012 e 2013, eles voltaram a nos atacar, queimando casas e derrubando cercas. A gente reerguia as cercas e, no outro dia, eles iam e derrubavam. Resistimos e nos sentimos seguros achando que tinham nos esquecidos. Mas a trégua acabou agora. Quando foi na sexta-feira passada, ficamos espantados, foi uma coisa de repente”
O ATENTADO
Na manhã do dia 3 de setembro, quatro caminhonetes – três Hilux pretas e uma S10 ¬ invadiram as roças dos posseiros que moram na comunidade São Marcelo e plantam suas roças na beira do rio Sapão, onde vivem cerca de 80 famílias. Nos carros estavam entre 18 e 20 homens armados e encapuzados com “tudo que é tipo de arma”, de acordo com uma das vítimas.
Primeiro entraram na área do Canto do Brejão e atiraram em direção a uma caminhonete Ford 250, fretado pelas famílias geraizeiras a caminho das suas posses na beira do Rio Sapão. No veículo estavam homens, mulheres, idosos e crianças. Oito tiros atingiram o veículo, mas ninguém foi atingido. Em seguida, os pistoleiros derrubaram cercas e atearam fogo nas estacas.
Os capangas também roubaram geradores, saquearam e atearam fogo em pelo menos cinco residências, cortaram árvores frutíferas com motosserras e incendiaram currais. No total, a área destruída chega a 15 hectares. O caso foi registrado na delegacia de polícia civil do município de Barreiras. E, segundo os moradores, os principais suspeitos são os irmãos Mário Renato e Mário Fernando Palmério Assunção, herdeiros de Fernandino José Assunção e atuais proprietários da Canabrava Agropecuária, em cuja propriedade são plantados algodão, milho e soja, e Jaci Pimentel, da Fazenda Tupã.
Sobre o protesto de hoje de manhã, em frente ao fórum de Formosa do Rio Preto, uma das participantes contou que inicialmente os portões estavam fechados para impedir a entrada dos geraizeiros:
“A gente falou não haver necessidade de trancar o portão, mas eles colocaram cadeado.” – disse.
Após o contratempo, um grupo de posseiros e advogados foi recebidos pela promotora Caroline Maronita Stange, um delegado e um juiz. Na ocasião, foram ouvidos e conseguiram tornar público o ocorrido.
HISTÓRICO
As posses na região conflagrada são antigas. No caso das existentes às margens do rio Sapão, elas servem às famílias do povoado de São Marcelo para a criação de gado e para plantios de subsistência.
Entretanto, desde a instalação da Fazenda “Santa Maria – Gleba Tapuio” pela empresa “Canabrava Agropecuária”, nos anos 90, os territórios tradicionais dos geraizeiros são desrespeitados.
O latifúndio é consequência de uma fabricação de título suspeito. E remete à matrícula de uma gleba denominada “Frutuoso da Fazenda Santa Maria”, cuja extensão encontra se quantificada como “duzentos braças”, registrada no Livro de Registro Eclesiásticos de Terras da Freguesia de Santa Rita de Cássia.
No início do ano de 1980, José Raul Alkmin Leão (que já tinha sido preso por grilagem de terras no Estado do Piauí) adquiriu a posse desta gleba. A aquisição foi registrada no Cartório de Santa Rita de Cássia. Fraudulentamente, transformou essa posse de 200 braças (290 hectares) em 382.354 hectares. Dois anos depois, desmembrou 143.000 hectares e os vendeu para o mineiro Fernandino José Assumpção, então proprietário da Canabrava Agropecuária Ltda.
A partir daí, começou um desenfreado processo de comercialização – venda ou arrendamento – de glebas desmembradas do latifúndio.
O poder público tem conhecimento da situação. Em 1999, a área da Canabrava Agropecuária entrou nos registros do “Livro Branco de Grilagem de Terras no Brasil”, no qual o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) reconhece casos de grilagem e corrupção agrária.
Os posseiros tomaram conhecimento ontem que Mário Fernando Palmério Assunção, proprietário da Canabrava Agropecuária, esteve na manhã de segunda-feira – três dias após o atentado no qual ele seria um dos suspeitos – na delegacia de Formosa de Rio Preto para comunicar um “fato delituoso”.
De acordo com Mário Fernando, na manhã de sábado (4/9), seus empregados promoveram a retirada de cercas e currais construídos sem autorização, na área da Fazenda Santa Maria, pertencente à empresa Canabrava. Ele acrescenta que as demolições ocorreram de forma “pacífica e ordeira”, sem a presença de pessoas estranhas ou de terceiros.
O fazendeiro não identificou os funcionários que teriam feito o serviço e acusou pessoas não identificadas de promoverem a degradação da área de preservação permanente do rio Sapão, de onde teriam sido retiradas madeiras utilizadas nas construções irregulares.
Além da Canabrava Agropecuária, o fazendeiro é dono da Incorporadora Canabrava Empreendimentos Imobiliários, da Canabrava Participações, da MMA Guarda de Documentos e da Sociedade de Fomento Mercantil e Serviços. Três das empresas estão sediadas no mesmo prédio em que Mário Fernando Palmério Assumpção declarou como residência, no bairro de Abadia, em Uberaba (MG). A quarta fica localizado na cidade de Prata (MG).
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A reportagem foi atualizada no dia 9 de setembro de 2021, às 17h32min. Os quatro últimos parágrafos foram incluídos neste dia e hora.
Por: Paulo Oliveira e Thomas Bauer