A 5ª Semana e Romaria do Cerrado foram realizadas no município de Jaborandi, na região Oeste da Bahia, entre os dias 02 e 11 de setembro de 2018 (Dia Nacional do Cerrado). Confira o documento abaixo:
Carta Final da 5ª Semana e Romaria do Cerrado
“Cerrado em Pé: as águas que geram vida, não podem morrer!”
“(…) numa planície guarnecida de palmeiras, alcançamos no dia seguinte o Rio Formoso. Este rio, chamado belo, bem merece tal epiteto, pois os seus arredores parecem um jardim extenso, no qual a natureza reuniu tudo que a imaginação de um poeta escolheria para morada de ninas ou de fadas. Grupos de palmeiras e moitas floridas estão disseminadas na campina viçosa, pela qual flui o rio, em muitas curvas, ora rápido, ora mais vagaroso…”. Este trecho do livro “Viagem pelo Brasil” de Spix & Martius, escrito entre 1817 e 1820, descreve bem o que estes viajantes alemães visualizaram às margens do Rio Formoso. Contudo, durante a 5ª Semana e Romaria do Cerrado realizada no município de Jaborandi, BA, de 02 a 11 de setembro de 2018, a realidade visualizada é muito distinta da que há 200 anos descreveram Spix & Martius.
Nesta 5ª edição da Semana do Cerrado a programação foi bastante abrangente, iniciando com um Seminário realizado junto aos (às) Educadores (as) de Jaborandi no dia 27 de agosto. Com o tema “Dialogando sobre o Cerrado” foi possível debater os principais problemas e impactos que vive hoje o Cerrado brasileiro, 2º maior bioma do país. Como encaminhamento, professores de várias escolas trabalharam o tema discutido no seminário em sala de aula, e duas semanas depois já é possível perceber os resultados no contato com crianças e jovens, “O brilho no olhar das crianças ao falar do Cerrado é encantador…”, descreve uma participante das Visitas Missionárias.
No dia 02 de setembro a comunidade de Jacurutu, em Santa Maria da Vitória, que durante um ano foi guardiã da Cruz Geraizeira, celebrou o envio da Cruz para as comunidades de Jaborandi. A Cruz simboliza o “calvário” do Cerrado e de seu povo, sobretudo, ela é símbolo da resistência e da esperança e será a partir de agora cuidada pelo povo de Jaborandi.
O município de Jaborandi, assim como outros do Oeste da Bahia, traz uma série de contradições, dentre as quais se pode citar a baixa quantidade de habitantes. Segundo dados do IBGE, o município possui uma área territorial de 9.994 km², em 2017, e uma população de 8.496 pessoas, em 2018, o que significa menos de um habitante por quilômetro quadrado. Outro dado importante é que houve o aumento do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), que em 1991 era 0,235 e em 2010 passou a ser de 0,613. Por outro lado, segundo o índice de Gini, aumentou também a concentração da riqueza, passando de 0,486 em 1991 para 0,635 em 2010. Isto quer dizer que os ricos ficaram mais ricos e os pobres, mais pobres.
Estes números exemplificam uma realidade de extremos, que até geograficamente pode ser visualizada, pois como Jaborandi tem o formato de um triângulo deitado, é como se a Oeste estivesse a maior área do município, hoje ocupada pelo agronegócio com poucos habitantes e alta concentração da riqueza, e a Leste estivesse a menor área do município, ocupada secularmente pelas comunidades tradicionais camponesas com muitos habitantes e menor concentração da riqueza. Esses extremos evidenciam um abismo social composto por dois modelos de agricultura que se encontram em conflito, e que em escala é possível perceber que os impactos socioambientais do agronegócio são muito maiores do que os da agricultura camponesa, que gera aproximadamente 70% da comida e que vem sendo a principal vítima deste modelo de agricultura em larga escala praticado no Oeste da Bahia, num contexto de expansão de fronteiras agrícolas.
Durante as Visitas Missionárias, nos dias 07 e 08 de setembro, 30 missionários (as) conviveram com 22 comunidades rurais, se configurando num importante momento de Peregrinação, Intercâmbio de Saberes e percepção da Fé e Esperança inabaláveis do povo, que crê que Deus vai nos garantir vida em abundância. No entanto, a realidade visitada é dura, e a principal percepção do povo é da escassez de água, seja pelas mudanças no regime de chuvas, que vão diminuindo ano a ano, seja pelos 28 riachos secos, com destaque para a morte da cabeceira do Rio Formoso, relatados pelos moradores das comunidades visitadas. Foram encontrados apenas 02 riachos que correm água o ano todo, e nos demais só correm água no período das chuvas, sendo que em alguns apenas correm águas das enchentes/enxurradas. Muitas famílias com as quais os (as) missionários (as) conversaram relacionam tal escassez de água com o desmatamento dos Gerais, que tem como consequência também a redução da produção de alimentos, seja nas áreas de plantio, e nas áreas de criação, com significativa redução de rebanhos.
O Rio Formoso, como descreve Spix & Martius, ainda é para o povo fonte de vida, contudo diante dos sinais de morte paira uma grande dúvida, sobre até quando o rio ainda vai correr por suas “muitas curvas”. Apesar do cenário negativo, em que a morte parece vencer a vida, ainda foi possível perceber a grande capacidade de resistência e adaptação dos camponeses, a presença de um modo de vida tradicional secular, a resistência na defesa dos Territórios das comunidades de Fundo e Fecho de Pasto, a resistência de mais de 20 anos das comunidades Ribeirinhas contra os projetos de Barragens, um povo que vive numa pequena cidade, que pode ser chamada de “fluvial”, pela importância que as águas têm para os seus moradores e a existência do Rio São Francisco. O lema desta 5ª romaria “Eu lhe propus a vida ou a morte, a bênção ou a maldição. Escolha, portanto, a vida…” (Dt.30,19), nos provoca a fazer uma opção, pois somos convocados a assumir profeticamente o nosso compromisso com a vida.
Neste dia 11 de setembro de 2018, Dia Nacional do Cerrado, estamos desde às margens do Rio Formoso às ruas de Jaborandi, para reafirmar o nosso compromisso com a vida do Cerrado e do seu povo, pois a vocação dos Gerais é a produção de água, por isso “Sem Cerrado, Sem Água, Sem Vida”.