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CPT BAHIA

Entrevista com Frei Luciano Bernardi sobre fé e luta

Neste ano (2022), o Frei Luciano Bernardi completa 50 anos de sacerdócio. Nascido na Itália, ele veio para o Brasil em 1975 para trabalhar em Guaraniaçu, no Paraná. Oito anos depois foi transferido para a diocese baiana de Ruy Barbosa. De lá para cá, participou de 40 romarias, sendo que em uma delas ele percorreu a pé os 516 quilômetros que separam Itaberaba e Bom Jesus da Lapa. A síntese de seu trabalho é expressada pelo verso “É missão de todos nós, Deus nos chama eu quero ouvir a sua voz”.

Diante de todo o histórico de luta, fé e bondade, fizemos algumas perguntas para entender o seu percurso nesses 50 anos de missão.

Que sentimento o senhor vivência ao celebrar 50 anos de sacerdócio?

 Tenho, dentro de mim, bem claro e bem assumido, o que o pessoal mais velho no interior da Bahia sempre me repete: “50 anos não são cinquenta dias e nem 50 meses!” Realmente é um período que vale uma vida… Nesta perspectiva humilde que o próprio povo da roça e das periferia sempre me aponta, posso dizer que todo este tempo foi muito marcante na sua longa e complexa evolução.

Eu mudei três vezes de ambiente social, vivencial e religioso. De um ambiente camponês e católico da minha região Italiana, que eram de camponeses meeiros, onde nasci e me criei na minha família. Vi a evolução para se tornar autônoma através de um pequeno pedaço de terra adquirido em herança e sobretudo através das mudança par o meio operário do meu irmão mais velho que passou sua vida, como camponês e operário numa fábrica de sapatos. Comigo e com meu outro irmão aconteceu a inserção em dois seminários, um de marco explicitamente missionário e outro de característica franciscana no Vêneto (Nordeste da Itália). Ambos eram instituições católicas tradicionais, mas estavam envolvidas do espirito missionário, da abertura para as grande intuições e mudanças teológico-pastorais do Concilio Ecumênico Vaticano II.

Foi um período histórico decisivo e fundamental, hoje sentimentos confirmado após minha saída para o Brasil, quando tinha 29 anos, logo após dois anos de ministério na Itália do Norte (em Treviso, cidade principal, perto de Veneza, onde nasci)  e em Verona (Cidade histórica onde numa paróquia  que buscava se adequar o novo Espírito do Concilio Ecumênico, amadureceu concretamente minha “saída missionária” para o Brasil do Sul (São Paulo e Paraná e logo 7 anos depois para uma região totalmente nova que e aquela onde ainda me encontro: a Bahia, no coração do Nordeste Brasileiro.  

Nesses anos dedicados à Igreja, o que lhe manteve firme na vocação? 

Foi a vocação cristã da minha família e comunidade, no exemplo dos meus pais e de vários missionários heroicos, como o padre Bernardo Sartori, comboniano na Uganda que está sendo agora reconhecido na igreja católica como “venerável”, ou padre Francisco Faldani (missionário franciscano na China e na Coreia), bem como tantos outros exemplos entusiasmantes de doação de si para o resto do mundo. A partir dos mais pobres, foram neles que eu pendurei a corda da escalada da minha vida para subir a montanha de uma mais dura e “sugestiva” partindo da fé… Por sugestiva entendo definir o que mais tarde cheguei a chamar de “decisiva” para estar do lado do Evangelho de Jesus Cristo e das suas comunidades inseridas nas problemáticas em buscam de uma vida digna para todos.

A partir de que momento em sua juventude o senhor teve certeza de que queria ser padre? Já trabalha no Brasil há muitos anos. Vir para cá foi uma escolha sua? O que lhe motivou?

Certeza matemática nunca ninguém tem na opção de um tipo de vida como a de “ser padre católico”. E na evolução dos anos e das causas pelas quais você inicia a se doar aprofundando humanamente as grandes motivações de carência e de realizações como pessoas que vive em conjunto com uma comunidade que lhe aceita e lhe estimula, que todos os dias você assume esta vida que e muito mais a de “ser padre” como você me exprime na pergunta. É mais uma decisão de buscar o que mais você sente como alguém que opta por uma ética e uma entrega de vida para as grandes causas que podem mudar, conforme sua inserção. Hoje eu tenho na mente e no coração algumas palavras que exigiram e exigem de mim uma permanente tomada de posição, até dentro das instituições que me acolheram e me valorizaram para enfrentar desafios e contribuir para um horizonte libertador a ser cotidianamente assumido. Por amor.

Mesmo com todos os desafios que a Igreja vive atualmente, ainda vale a pena ser sacerdote?

Vale a pena, sim. Não “ser sacerdote”, como você, com todo direito pelo linguajar comum, se expressa, mas na medida de qual maneira você ajuda de uma comunidade com a qual você deve sempre se confrontar e se sentir autenticamente comprometido em assumir em conjunto das causas humanas. Nesta altura dos meus 76 anos, posso propor a quem me lê o seguinte: Todos e todas, precisamos de um diagnóstico para traçar nosso caminho. Pelo que posso dizer nesta retrospectiva de 50 anos, vejo este diagnóstico iluminado por uma Bíblia viva que me aponta caminhos.

Dentro dela, a pessoa de Jesus Cristo. Um ser “humano”, nos segura sempre unidos ao que costumamos chamar de “divino”. Em Jesus Cristo, jamais se pode separar isso.  Desde jovem apendi que a palavra sacerdote não é a mais esclarecedora e nem a mais utilizada na Bíblia para falar de padres ou de pessoas ligadas ao culto nas igrejas. Sacerdote é utilizada somente e poucas vezes, atribuída somente a Jesus Cristo e, em alguns textos do Novo Testamento a um sacerdócio comum a todos os batizados, que são todo os que sentem que vale a pena assumir as causas de Jesus.  É esta ligação, do humano com o divino, que nos dá todos os dias o resultado de nunca poder desanimar. Para quem opta seguir, cabe o direito e o dever de sempre recomeçar a tecer uma teia, que pode até se rasgar. Ela é feita de sentimentos, frustrações, entusiasmos, ideias, realizações, coragens e correções de rumo e etc. Conforme a história que sempre muda e conforme nossas fragilidades nos exigem.

Qual seria o seu recado, enquanto cristão, para o povo nessa atual conjuntura política brasileira?

Hoje, mais do que nunca, creio que todos nós cristãos necessitamos de uma fé vibrante.  Quem não consegue fazer vibrar o coração, não ilumina a mente para evitar o que não é autêntico de dentro e fora da gente, no caminho do amor, tem uma fé que merece nossa desconfiança. E a correção só pode vir de mais doação amorosa sim, mas avaliada em diálogo realista, “inteligente” (palavra latina, “íntus légere = ler por dentro) com outros e outras que caminham ao nosso lado. Não somente em procissões, celebrações e louvores, com todo respeito, mas antes de tudo, em repartir pão e as ideias, as rezas e as celebrações, as políticas e as decisões socioeconômicas partindo sempre das realidades que os pobres, às vezes gritando e às vezes em silencio, nos comunicam.

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