cropped-logo-cpt-1.png
Acesse o Caderno de Conflitos no Campo Brasil 2023

CPT BAHIA

ESTAMOS CONSTRUINDO RELAÇÕES DE HOMENS NOVOS E MULHERES NOVAS?

Compartilho com vocês uma breve reflexão que fiz no encontro de formação da CPT Regional Bahia, com o tema: Homens e Mulheres da CPT repensando relações. Trago experiências vivenciadas e escutas no trabalho de base, com mulheres posseiras, acampadas e assentadas na região da Diocese de Ruy Barbosa, entre 2005 e 2010.

Nas áreas de posseiros, nos momentos dos conflitos:  destruição de roças, queimada das casas, as mulheres eram as primeiras a enfrentar os pistoleiros. A maioria das áreas de posseiros regularizadas hoje é fruto da coragem e resistência das mulheres.

As mulheres acampadas, na hora dos despejos lá estavam na linha de frente em confronto com a polícia. Porém, quando o INCRA legalizava os assentamentos quem decidia tudo sobre os lotes, projetos, organização das associações, dos movimentos, quem assumia a liderança nas coordenações eram os homens. As mulheres não participavam das decisões.  E quando tinham coragem de assumir alguma liderança eram chamadas de metidas. Um dia dei socorro a uma mulher que teve a coragem de ser liderança e estava à frente de uma associação que pertencia a um assentamento.  Ao sair de uma reunião da diretoria, foi espancada pelo marido a pauladas, quebrando-lhe o maxilar, costela e deixando-a cheia de hematomas no resto do corpo.

Colaborador  AGÊNCIA BRASÍLIA
 Foto  REPRODUÇÃO

Acompanhei histórias de mulheres que contraíram doenças sexualmente transmissíveis de seus maridos. Quando iam ao médico e era exigido que o marido também se tratasse, para o bem e a saúde dos dois, mas muitos maridos não aceitavam. Diante dessa situação, as mulheres se recusavam a ter relações sexuais. Havia maridos que dormiam com armas debaixo da cama, obrigando-as a ter relações as estuprando-as. Por conta desse cenário, várias mulheres adoeceram. Depois de toda uma luta conseguimos trazer através da secretaria de saúde do Estado, o SAC Saúde, que andando nos assentamentos de reforma agrária, ficou na região quase um mês. Só num assentamento de 450 famílias foram constatadas 84 mulheres estavam com início de câncer, umas já em estado avançado e foram encaminhadas para tratamento em Salvador.

As mulheres lutaram e lutam para terem direitos iguais. O que as ajudaram a ter mais consciência de seus direitos foram os encontros de formação, as mobilizações, manifestações, palestras sobre os assuntos com profissionais da saúde e outros. Atualmente, em alguns assentamentos estamos refletindo juntos: Como estão sendo as nossas relações entre homens e mulheres?  Dos pais e mães com os filhos e filhas? Com as pessoas idosas? São reflexões importantes para que se haja uma convivência diária mais saudável, sem violência, seja ela qual for. 

Essas e tantas outras experiências vividas nas bases e nas Equipes da CPT nos mostram que vivemos realmente numa sociedade patriarcal, machista, que tem como pilar o poder e o autoritarismo. Este sistema estruturado e histórico onde se construiu uma visão de que homem para ser homem tem que ser poderoso, machão, autoritário.

Como sou religiosa consagrada, partilho com vocês algumas facetas deste sistema patriarcal, machista que foi denunciado pela Vida Religiosa Consagrada Latinoamericana e Caribenha por ocasião da Celebração do Dia Mundial de luta contra o tráfico de pessoas em 30 de julho de 2020. O pronunciamento que introduziu a celebração iniciou assim: “Se te calas, teu silêncio e tua indiferença são cúmplices”. Destaco aqui algumas denúncias que foram feitas:

DENUNCIAMOS o poder da cultura patriarcal em todos os setores: econômico, social, familiar, político, cultural e religioso. Sobretudo a coisificação das mulheres que contribui a uma cultura mundial da exploração e violência contra elas, refletindo sobre o tráfico de pessoas. Segundo a UNODEC (Oficina das Nações Unidas Contra a Droga e o Delito), 72% das pessoas exploradas pelo tráfico de pessoas são mulheres e meninas. Nos pronunciamos contra o desaparecimento das mulheres, meninas, meninos e adolescentes, com fins de exploração sexual e laboral, contra todas as formas de violência contra as mulheres que resultam em brutais feminicídios.

DENUNCIAMOS o modelo econômico e injusto, cruel, neoliberal e capitalista que beneficia a poucos: aos traficantes, os empresários e os compradores, que por cima dos direitos humanos, alimentam uma cultura de mercantilização desumanizadora e excludente que expõe as pessoas a um risco maior de ser vítima do tráfico humano. Nos pronunciamos contra o aumento da pornografia como primeiro vínculo da exploração sexual. Nos pronunciamos contra os casamentos arranjados entre meninas e homens adultos. Nos pronunciamos contra o trabalho escravo de meninas, meninos e adolescentes recrutados para atividades criminosas. Nos pronunciamos contra da regulamentação da prostituição como trabalho de crianças e adolescentes.

DENUNCIAMOS as leis e políticas injustas e desumanizadoras da imigração, arraigadas na cultura do racismo, violência e xenofobia, que negam os direitos humanos básicos para os imigrantes e os refugiados, expondo-as/os a numerosas formas de vulnerabilidade…

JÁ É HORA que como Igreja: Conferências Episcopais, Congregações Religiosas Femininas e Masculinas, Clero Diocesano e Comunidade de Fiéis realizem ações coordenadas e colaboremos na transformação desta cultura de dominação construindo relações de igualdade entre todas as pessoas.

JÁ É HORA de promover a justiça econômica e social, favorecendo as pessoas mais empobrecidas. Já é hora de exigir dos governos que adotem alternativas justas ao modelo neoliberal, pôr em prática as leis contra o tráfico de pessoas e garantir os Direitos Humanos em especial para as mulheres, meninas, meninos e adolescentes, para que questionem os modelos empresariais que enganam e exploram.

JÁ É HORA de levar a cabo ações proféticas em favor da dignidade humana, em consonância com o apelo do Papa Francisco de acolher, proteger, promover e integrar os imigrantes, refugiados e deslocados para evitar que caiam nas mãos dos traficantes. Mas bem lograr ações para protegê-los do engano sedução dos mesmos.

JÁ É HORA de novas respostas e novas práticas.

Por: Agente da CPT BA e Irmã Catequista Franciscana Terezinha Maria Foppa.

Gostou desse conteúdo? Compartilhe
Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp