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CPT BAHIA

MAIS UMA VEZ UM GRITO POR JUSTIÇA

Mesmo sem serem convidados/as para participar da Audiência Pública realizada pela CODEVASF, representantes das comunidades atingidas pelo Projeto de Irrigação Baixio de Irecê manifestaram seu grito por justiça. Esta Audiência aconteceu na última quarta-feira, dia 9 de dezembro de 2020, no auditório do Parque Aquático em Xique-Xique, Bahia, para apresentar o processo de licitação das etapas 3, 4 e 5 deste projeto. Ficou evidente a indignação na fala da representante das comunidades, a Sr.ª Ivete Ribeiro de Lunas, da Comunidade de Muquém de Itaguaçu da Bahia, quando disse:

“Nós não estamos aqui em numeração porque não sabia, eu fiquei sabendo esta noite, ai não teve como a gente vim em numeração. Mas a gente cria solto toda vida, cria solto na região onde nós moramos, que lá tem vários povoados. E a CODEVASF falou que projeto é velho dos anos 60, 70, mas se este projeto é dos anos 70, estamos lá dos anos 800. Que não era nem mil, que já existia nossos povoados. Se a CODEVASF é velha, nossos povoados é muito mais velhos. E até hoje a CODEVASF nunca passou lá em nossos povoados. E esse projeto passa por dentro do nosso povoado e eles nunca passaram para dar satisfação nenhuma, pra dizer o que vão fazer com a gente. E a gente está aqui pra saber o que é que vão fazer da gente. E que se a CODEVASF entrou lá, nós já estávamos lá, então ela tem por obrigação e respeito às famílias de lá e de dá alguma satisfação pra gente. Eles vão chegar lá e pegar a gente e jogar de lá pra fora? Com nosso animal na cabeça? Então eu quero a resposta agora. (LUNAS. Ivete Ribeiro”. CODEVASF. Audiência Pública. Xique-Xique. 09.12.2020)

Compreende-se na fala da Srª Ivete que não houve uma maior participação de moradores/as das comunidades na Audiência Pública, por não foram comunicados previamente, como manda a legislação. Neste sentido, a Audiência Pública descumpriu o artigo 6º, 1, da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho que assegura consulta prévia, livre e informada que deve preceder toda medida administrativa suscetível de afetar povos e comunidades tradicionais. Desta forma, a moradora fez um questionamento sobre o que vão fazer com as famílias e seus modos de vida de mais de 700 famílias de 18 Comunidades Tradicionais dos municípios de Xique-Xique e Itaguaçu da Bahia, atingidas pelo Projeto de Irrigação Baixio de Irecê.

Sobre o questionamento, disse o analista da CODEVASF, o Sr. Sergio Coelho: “[…] foi feito o ato de autorreconhecimento pelo Estado da Bahia na Secretaria, […] pra depois ir buscar a terra, esse que foi o grande problema. Ela fez o ato, as comunidades ditas como Fundo e Fecho de Pasto, fez um ato de autorreconhecimento e o Estado através da CDA está buscando essas terras.” (COELHO. Sergio. CODEVASF. Audiência Pública. Xique-Xique. 09.12.2020).Conforme a citada Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, a autoidentificação dos povos e comunidades tradicionais é um direito. Mesmo que não houvesse o processo de autorreconhecimento das comunidades como de Fundo e Fecho de Pasto, a legislação assegura os seus direitos territoriais e socioambientais. As famílias camponesas historicamente estão nos seus territórios que foram usurpados pelo forte processo de grilagem ocorrido desde a década de 1970. 

Outro aspecto que se destaca na fala do representante da CODEVASF é quando este afirma: “[…] só que a CDA nunca procurou a CODEVASF, nunca. O Estado da Bahia através da CDA não houve uma procura efetiva pra saber… […] a gente teve, foi uma reunião com a governadoria e o CDA entendeu que não tinha essa terra do Estado, não eram terras devolutas. (COELHO. Sergio. CODEVASF. Audiência Pública. Xique-Xique. 09.12.2020).Essa informação vai de encontro ao laudo técnico produzido pela CDA, após uma de suas vistorias na área, a partir da denúncia das comunidades atingidas pelo Projeto de Irrigação Baixio de Irecê. No laudo, a CDA afirma que há indícios de irregularidades nos registros das cadeias sucessórias dos imóveis adquiridos pela CODEVASF, que consta em ação civil pública ajuizada pelo MPF após representação das comunidades e entidades de apoio.

[…] há expressa admissão de representante da Coordenação de Desenvolvimento Agrário (CDA) da Secretaria de Desenvolvimento Rural do Estado da Bahia (fls. 417/478 do ICP 1.14.012.000011/2014-13): “houve grilagem de terras públicas, principalmente nas décadas setenta e oitenta do século passado praticado pelo maior grileiro desta região, denominado Airton Neves Moura – já falecido – com envolvimento de interesses de empresas ligadas ao agronegócio. É irrefutável afirmar que nas terras usurpadas dos ditos imóveis, encontra-se hoje implantado o “Projeto de Irrigação do Baixio de Irecê”; 2)…TODOS OS IMÓVEIS POSSUEM FORTÍSSIMOS INDÍCIOS DE DEVOLUTIVIDADE, podendo ser questionados como áreas não destacadas do patrimônio público, sendo permissível ao Estado promover a ARRECADAÇÃO SUMÁRIA desses imóveis, após realização de Ação Discriminatória Rural”. (Ação Civil Pública, p. 20. 2020. MPF)

Além da constatação dos indícios de irregularidades sobre os territórios ocupados tradicionalmente, existem as marcas das 11 comunidades destruídas que foram incendiadas pelos jagunços, chefiados pelo grileiro Airton das Neves Moura. Sem falar da memória viva de diversas pessoas das comunidades que sofreram com este violento processo de expulsão de suas casas, roçados, áreas de criação de animais em regime de fundo de pasto etc. 76 famílias foram expulsas e não regressaram às comunidades.

Em vista das ações do MPF, a CDA iniciou um processo de Ação Discriminatória em áreas de terras já ocupadas pelas famílias camponesas e as áreas de alagadiços do rio São Francisco. Entretanto, a Ação Discriminatória não considerou no referido processo as áreas que foram subtraídas face à grilagem; por isso, as comunidades não aceitaram esta proposta. As áreas de alagadiços do rio não servem para o modo de vida das comunidades de Fundo e Fecho de Pasto. No período das cheias do São Francisco, como agora, estas áreas ficam alagadas, não tem pastagem e não tem como criar os animais.

Foi evidenciado o quanto o Estado da Bahia e a CODEVASF se esquivaram em garantir os direitos territoriais e socioambientais das Comunidades atingidas. Durante os 7 anos de investigação do MPF, várias tentativas de mediação do conflito foram frustradas, porque a proposta do Estado da Bahia e da CODEVASF não atendem a demanda e a garantia do modo de vida das comunidades. Para tanto, o Estado da Bahia, por meio da CDA, ao realizar o processo de georreferenciamento do território das comunidades, identificou que é o mesmo território do Projeto de Irrigação Baixio de Irecê. Por isso, não prosseguiram com a Ação Discriminatória Rural Judicial, frente às relações de poder desiguais a partir da atuação da CODEVASF na implantação do empreendimento. A estatal não aceita a devolução do território ou parte dele às comunidades tradicionais de Fundo e Fecho de Pasto que lhes pertencem historicamente.

No seu questionamento, a Sr.ª Ivete Ribeiro, disse: “[…] E a gente está aqui pra saber o que é que vão fazer da gente…” Confrontamos com a fala do analista da CODEVASF, o Sr. Sergio Coelho que afirmou: “[…] Não temos uma resposta agora para dar à senhora, infelizmente. Não somos detentores desta informação, já que o processo judicializou, hoje já virou um processo judicial, vai ter que ter uma intermediação do judiciário pra que se resolva, vamos aguardar ser convocados, pra que a gente resolva essa situação conjunto, lá com o Ministério Público, enfim, em altas esferas da hierarquia judiciária, é isso que nós vamos buscar.”Portanto, se não houvesse o Inquérito Civil Público, a CODEVASF teria uma resposta à Srª Ivete? Uma vez que a estatal, tendo conhecimento dos direitos das comunidades tradicionais atingidas, já desmatou dos territórios 19.543,24 hectares de caatinga para as 1ª e 2ª etapas do Projeto de Irrigação Baixio de Irecê e pretende dar início ao desmatamento de aproximadamente 21.500 hectares para as etapas 3,4 e 5, que somará um total de 41.043,24 hectares. Quanta contradição no discurso da propaganda deste projeto de irrigação! Promete “desenvolvimento regional” ao mesmo tempo em que vai destruir o modo de vida de 18 comunidades tradicionais dos municípios de Xique-Xique e Itaguaçu da Bahia; desmatamento da caatinga, destruição da mata ciliar e ameaça à vida do Rio São Francisco e da população urbana que depende de suas águas para o consumo humano.

Diante o exposto, as comunidades afirmam que não vão desistir de lutar por seus direitos territoriais e socioambientais e conclamam a sociedade a se juntar nesta luta em favor dos territórios, da caatinga, bem como na defesa do rio São Francisco, que garante a existência das diferentes formas de vida nesta região e em sua bacia hidrográfica. Não podemos confiar nestas promessas, pois foi bem assim com o rio Verde na construção e efetivação do perímetro irrigado em Mirorós/Ibipeba-Bahia, gerenciado pela CODEVASF que matou o rio Verde à jusante da Barragem.

Xique-Xique, 10 de dezembro de 2020.

Articulação das Comunidades Impactadas pelo Projeto de Irrigação Baixio de Irecê

Sindicato dos Trabalhadores/as Rurais de Xique-Xique, Barro Alto e Itaguaçu da Bahia

Polo Sindical da Região de Irecê

AATR – Associação de Advogados de Trabalhadores/as Rurais da Bahia

FUNDIFRAN- Fundação de Desenvolvimento Integrado do São Francisco

MRTT- Movimiento Regional por la Tierra y el Territorio – Sede La Paz, Bolívia

IPDRS – Instituto para el Desarrollo Rural de Sudamérica – Sede La Paz, Bolívia

Paróquias: Senhor do Bonfim – Xique-Xique; Nossa Senhora da Conceição – Itaguaçu da Bahia

Santa Terezinha do Menino Jesus- Central

Dioceses de Barra e Irecê

Ação Social Diocesana de Irecê/CARITAS

Comissão Pastoral da Terra – CPT

Acasango Advogadas Associadas

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