Esta foto apareceu no jornal A TARDE de Salvador – BA, quinta-feira, 06 de novembro 2019.
Além de retratar mais uma brutal tragédia/crime de ação e omissão, que se abateu no planeta e apareceu espantosamente nas praias do Nordeste do Brasil, tem uma clara simbologia. Quem abriu o jornal nesse dia, reparou que a foto não coube, numa página só. O editor, para que fosse expressiva, teve que utilizar duas páginas. Aí está ela representando toda a imensa ‘carga pesada” que o povo brasileiro vem carregando, neste final de ano e de década.
Para nós leitores, o que deve caber mesmo, é a indignação do Brasil inteiro, a partir do Nordeste e de suas praias, que se faz grito do socorro de milhares de pescadores e pescadoras artesanais e de todos os nordestinos e brasileiros que aqui vivem ou planejam viver umas férias neste bioma paradisíaco.
O que deve caber mais, além da repulsa indignada, é uma reação, firme e organizada de solidariedade política, e de atos em que o povo seja protagonista… junto com a solidariedade da presença e da ajuda emergencial para os pescadores, os peixes e para as ondas do mar.
O silencio destes corpos humanos vivos, curvados sobre o betume tóxico e perigoso, é um grito que não deixa de interpretar também a multidão de suas companheiras, as mulheres, ausentes na foto, mas intensamente presentes e sofridas. Elas estão atrás destes homens e desta água poluída e mortal para seus peixes que não são mais o pão e o peixe sadios de cada dia. Mais um brado bíblico chegando aos céus.
“E o seu clamor chegou até Deus. Deus ouviu estas queixas e lembrou-se do pacto feito com os humanos desde seus ancestrais, chamados, Abraão, Isaac e Jacó, Noé…. Deus viu a condição dos filhos deste povo e a levou em consideração. ( cfr. Êxodo 2, 23).
Esta foto nos descortina o fato que o Deus da Bíblia, bem ao contrário dos atuais homens do poder, leva em consideração a condição dos filhos e filhas de seu povo, através dos braços e mãos destes homens. Para quem quiser ver e ouvir, eles representam aquela multidão brasileira que jamais, neste país continente, perdeu garra e esperança. Bastam poucos nomes para sentir isso: indígenas, quilombolas, pescadores, camponeses sem terra, desempregados, sertanejos, migrantes, mulheres desprezadas e discriminadas, idosos e jovens… Conhecer, com autenticidade humana, estas situações é prorromper a Deus com os gritos de sempre, há milênios; mas é, simultaneamente, avaliar e decidir de pertencer aos que resistem e se opõem, “solidários”, ainda que, muitas vezes, “solitários”, aos desastres criminosos, em andamento contra a natureza e a humanidade.
O Brasil invadido por ondas e “ondas e ordas tóxicas e mortais” conclama para a coragem pacifica e ousada, com dimensão politica, além da necessária dimensão da assistência solidária emergencial de quem mete a mão no betume tóxico que mata a vida, para eliminá-lo.
Luciano Bernardi – Integrante da Ordem dos Franciscanos Menores Conventuais da província São Francisco de Santo André (SP) , da Comissão Pastoral da Yerra da Bahia (CPT), do Serviço Inter franciscano de Justiça, Paz e Integridade da Criação da Família Franciscana (SINFRAJUPE), e da articulação ecumênica “Igrejas em saída”