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CPT BAHIA

O saber cuidar das parteiras do Mucambo, Antônio Gonçalves (BA)

Mucambo é uma comunidade tradicional de fecho de pasto localizada no município de Antônio Gonçalves (BA), um lugar bonito que além de abrigar rica biodiversidade, preserva práticas sociais e culturais próprias do sistema de fundo e fecho de pasto cuja característica principal é o uso comum do território-Abrigo. Na comunidade, moram aproximadamente 60 famílias, entre as quais, registra-se a presença de algumas parteiras tradicionais: Maria de Lourdes de J. Santos, Antoniana de Jesus, Lourides de Jesus, Maria Francisca (Santa), Maria Isabel e Antonia Amélia Farias, que juntas, durante anos, ajudaram a salvar muitas vidas de mulheres e crianças.

O fazer das parteiras tradicionais do Mucambo, soma experiências e conhecimentos acumulados por várias gerações na prática do saber cuidar a partir de uma herança ancestral.  Além de utilizar técnicas da medicina tradicional – chás, banhos com ervas, cascas e raízes, dietas etc, as parteiras realizavam rezas antes e depois do parto, para pedir proteção e agradecer.

Assim como em outras localidades rurais, onde os serviços de saúde sempre foram escassos, na comunidade, a prática social das parteiras tradicionais, nasce de uma necessidade concreta, do compromisso ético com a vida das mulheres e das crianças, da crença, aceitação e credibilidade conferida por grupos sociais ao ofício das parteiras que ao longo do tempo vem resistindo aos processos contínuos de negação e silenciamento impostos ao seu modo de cuidar (BORGES; PINHO; SANTOS, 2009).

Nesse sentido, dona Antônia Amélia Farias – 76 anos, moradora da comunidade, compartilhou comigo um pouco da sua história, que é entrelaçada a história de sua avó – Ana Santa de Jesus, que também foi parteira. “No lugar não tinha hospital e a gente sempre chamava as outras pra pegar os filhos da gente, eu mesma tive seis filhos em casa. Tinha a minha avó que era parteira, naquela época era difícil e só tinha ela que atendia as comunidades todas aqui perto. Tinha vez que chegavam de madrugada pra buscar, a pé e outras vezes vinham montados. Ela não tinha muita condição, tinha os filhos pra criar sozinha… mas também não faltava nada pra ela, quando ela vinha, trazia de tudo… carne, farinha, feijão, etc)”.

Foi com sua avó e com as outras parteiras da comunidade que dona Antônia aprendeu o oficio de “ajudar a nascer”. Ela me contou o quanto se sente feliz em ser parteira, não tem conta dos meninos e meninas que pegou, mas teve partos difíceis, crianças que nasceram laçadas, atravessadas, mas juntas, usando os conhecimentos tradicionais e com fé, nunca viu morrer uma criança ou uma mãe durante os partos realizados na comunidade.

Enquanto ia ouvindo as histórias de dona Antônia, fiquei pensando na forma como aconteciam os partos em casa e como acontecem nos hospitais.  A primeira coisa que chama a atenção é que as parteiras eram todas conhecidas das mulheres, muitas vezes parentes ou comadres, então, havia confiança, segurança, respeito e relações de afetos, a criança nascida passava a ter a mãe de sangue e a(s) mãe(s) que o pegou. Por outro lado, relatos sobre partos realizados em hospitais, frequentemente revelam situações de violência obstétrica, racismo, preconceito, discriminação praticados por profissionais da saúde contra as mulheres e seus filhos(as), há casos em que crianças desenvolvem problemas devido as violências praticadas durante o parto ou negligências no atendimento.

Levando em consideração esses aspectos, as autoras Borges; Pinho e Santos (2009), salientam que “a prática social das parteiras tem como matriz fundadora o amor e princípios humanitários”, estabelecendo laços de solidariedade e participação, para elas, “o modo de cuidar das parteiras tradicionais precisa ser valorizado e assumido por todos os cuidadores(as) da saúde”.

Dessa forma, além do aspecto citado, no tocante a saúde pública, faz-se necessário a retomada da ciência tradicional pelas comunidades e a luta urgente pela manutenção e fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) imprescindível à toda sociedade, sobretudo aos mais pobres que sem o SUS, morrerão à míngua, sem assistência do Estado cuja obrigação é assegurar a saúde pública e de qualidade como direito universal.

Maria Aparecida de Jesus Silva – Mulher negra. Agente da Comissão Pastoral da Terra. Bacharel em Teologia, Pedagoga, Especialista em Desenvolvimento e Relações Sociais no Campo. 

Referências:

BORGES, Moema da silva; PINHO, Diana Lucia Moura; SANOS, Silvéria Maria dos. As representações Sociais das Parteiras Tradicionais e o Seu Modo de Cuidar. Cad. Cedes, Campinas, vol. 29, n. 79, p. 373-385, set./dez.2009.

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