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CPT BAHIA

4 mártires em La Rioja, esperança da Argentina e das Igrejas

Com certa emoção pessoal, envio esta breve mas significativa apresentação da Conferencia Episcopal da Argentina, interpretando a “beatificação” dos 4 mártires de La Rioja, na Ditadura Militar. Eram: um bispo (Henrique Angelelli),  um padre missionário francês (Gabriel Longneuve),  um leigo (Wenceslau Pedernera) e um frei franciscano conventual da minha geração (Carlos Murias). Nesse tempo (1976), pertencíamos a mesma província religiosa mãe” de Pádua – Itália.  Daí minha emoção no inicio desta mensagem. 
Com os tempos que estamos vivendo em toda a América Latina e no mundo, creio que este evento martirial nos questiona, encoraja e convoca  a todos/as. Com o Jesus Cristo dos mártires de Chamical / La Rioja, feliz re-insurreição. 

Eles são conduzidos até as fontes de aguas da vida e
são enxugadas todas as lágrimas de seus olhos
(Apocalipse 7, 17)

A seguir a apresentação da Conferencia Episcopal da Argentina:

Nós, os bispos de Argentina, queremos partilhar com todos a grande alegria da próxima beatificação do bispo Enrique Angelelli, de Frei Carlos de Dios Murias, do presbítero Gabriel Roger Longueville e do leigo Wenceslau Pederneira.

Acontecerá o dia 27 de abril de 2019. Agradecemos, de coração ao papa Francisco que assim acolhe o discernimento da Igreja e nos dá alento para gastar a vida em serviço.1

Angelelli, que foi bispo de La Rioja entre 1968 e 1976, sabia que sua morte era iminente e estava disposto a dar a vida. Em uma de suas últimas cartas, informava ao Núncio Apostólico: 

“Estamos permanentemente obstaculados de cumprir com nossa missão de Igreja. Eu pessoalmente, os padres e as religiosas somos humilhados, investigados e invadidos pela polícia, por ordem do exército. Já não é fácil fazer uma reunião com os catequistas, com os padres e as religiosas. As festas de padroeiro são impedidas e obstaculadas… novamente fui ameaçado”

Ao mesmo tempo ele acrescentava que vivia isso “com uma grande paz interior e esperança cristã” 3 Não escondia seu temor porém se apegava à fortaleza que Deus lhe doava. Desse modo sentia-se unido à entrega de Cristo até o fim. Esta convicção de que, no sofrimento e na morte, se reflete a vida nova de Cristo Jesus, está claramente expressa na homilia do enterro de Gabriel e Carlos, quando dizia:

A Igreja se alegra e abençoa a Deus porque foi escolhida para viver este mistério da Cruz e da Páscoa do Senhor, e eu vim partilhar a Eucaristia com dois irmãos que já estão junto do Senhor…Toda a força que esta aí se faz Eucaristia, se faz martírio se faz testemunho de vida, se faz oração, se faz prece. 4

Como bom pastor, quando se dispunha a dar a vida, experimentava o que seu povo sofria e, de alguma maneira, morria nele e com ele. O papa Francisco quis valorizar de maneira especial, esses casos em que verificou-se:

 “um oferecimento da própria vida para os demais, sustentado até a morte”, porque “essa oferenda expressa uma imitação exemplar de Cristo, e é digna da admiração dos fiéis” 5.

O papa também nos lembrou que “a santificação é um caminho comunitários, de dois em dois. Assim o refletem algumas comunidades santas” 6.

Angelelli não esteve sozinho em seu martírio. Eram quatro os que, unidos em sua entrega, nos estimulam “contrariando o individualismo consumista que termina se isolando na busca do seu bem-estar, à margem dos demais”. 7 Nos comove recordar que na noite do sequestro, quando algumas pessoas que se diziam policiais foram buscar a frei Carlos, o padre Gabriel lhe disse com resolução: “Não vou te deixarir só, Vou com você!” 8. E morreu com ele.

A morte de Angelelli e a forma como morreu são uma clara coroação de uma vida consequente com suas convicções e com a missão do pastor que é a de dar a vida por seu rebanho. Assim selou com seu sangue, seu compromisso pela paz, a justiça e a dignidade integral da pessoa humana, por amor a Cristo e aos pobres, em plena coerência com o Evangelho.

Sua morte (em agosto de 1976) se inscreve dentro do contexto martirial da Igreja de La Rioja da qual são expressões incontestáveis a morte de Murias, Longueville e Pedernera (em julho de 1976).

Também confirma a coerência testemunhal de vida, pensamento e opção pastoral dos próprio Angelelli. Ele foi testemunha do reino de Deus e de sua Justiça numa igreja perseguida, obstaculada e martirizada em seus padres, religiosos e leigos. Essa foi sua identidade más genuína, a básica, a que fundamentou e orientou toda a sua existência até a consequência lógica de demonstrar o maior amor, dar a vida por seu povo e ser instrumento da luz do Evangelho.

Carlos Murias dizia:

“Poderão calar a voz do bispo, poderão calar a voz do padre Carlos, mas nunca poderão calar a voz do Evangelho”. 9

Angelelli, como fiel interprete do Concilio Vaticano II, era um vigia atento para receber os sinais de Deus em sua Palavra e na voz do seu povo, olhando, desde a fé, a história onde o Senhor se manifesta. Era um apaixonado pela fé dos pobres e pelo testemunho dos mais simples. Era um pastor que cuidava dos últimos e os aproximava à consolação de Deus.

Amou a Igreja. A sentiu como sua família, seu lugar de discernimento, seu púlpito na hora de anunciar a Boa Notícia e o grito de dor do povo riojano. Nunca incitava para o rancor, apesar do clima de violência que se vivia. No enterro de Gabriel e Carlos, dizia:

“Como é difícil ser cristão, porque ao cristão se exige perdoar! O cristão tem que perdoar a todos”.

Com a mesma convicção, o leigo Wenceslau, que foi crivado de balas na porta da sua casa, diante de sua esposa e das três pequenas filhas e sofreu uma agonia de várias horas, não somente perdoou a seus assassinos mas pediu a sua esposa e filhas que não guardassem ódio. 10.

Cremos que o melhor é concluir esta mensagem com as preciosas palavras do então cardeal Jorge Bergoglio:

A memória de Wenceslau, Carlos, Gabriel e do bispo Enrique, não é uma simples memoria encapsulada, é um desafios que hoje nos interpela a olharmos o caminho deles, pessoas que somente olharam ao Evangelho; pessoas que receberam o Evangelho e com liberdade. Assim nos quer hoje a Pátria, homens e mulheres livres de preconceitos, livres de condescendências, livres de ambições, livres de ideologias; homens e mulheres do Evangelho, só do Evangelho e, a mais, podemos acrescentar um comentário, o mesmo que acrescentaram Carlos, Gabriel, Wenceslau e o bispo Enrique: o comentário da sua própria vida”. 11

Estes são os que vem da grande tribulação.
Lavaram e alvejaram sua roupa no sangue de Jesus, Cordeiro imolado
(Apocalipse 7,14)

116° Assembleia plenária da Conferência Episcopal Argentina
Pilar, 07 de novembro dee 2018

NOTAS:

1.Eles são somados a outros mártires latino-americanos; entre eles queremos destacar a Santo Oscar  Romero, recentemente canonizado.
2. Enrique Angelelli, Carta de 5 de julho de 1976.
3. Ibíd.
4. Enrique Angelelli, Homilia nas exéquias dos padres Gabriel Longueville e Carlos Murias.
5. Gaudete et exsultate, 5.
6. Ibíd 141.
7. Ibíd 146.
8. Testemunho das irmãs Josefinas de Chamical.
9. Carlos Murias, Homilia do dia 16 de julho de 1976, Punta de los Llanos.
10. Testemunho da sua esposa Marta Cornejo.
11. Jorge Cardeal Bergoglio, Homilia na Catedral de La Rioja, 04 de agosto de 2006.

Tradução do original em español de Luciano Bernardi – Integrante da Ordem dos Franciscanos Menores Conventuais, da Comissão Pastoral da terra da Bahia  (CPT BA) e do Serviço Inter franciscano de Justiça, Paz e Integridade da Criação (SINFRAJUPE)

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