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CPT BAHIA

UM OLHAR PARA A FORMAÇÃO DE JURISTAS LEIGOS E LEIGAS NO SEMIÁRIDO BAIANO

O curso de formação de Juristas Leigos e Leigas no Semiárido baiano promoveu o enfrentamento aos impactos da mineração e empreendimentos eólicos. A formação ocorreu durante 09 meses entre 2018-2019, com mais de 40 lideranças de comunidades e integrantes de organizações sociais participando dessa formação. O Curso foi fomentado pela Comissão Pastoral Terra Centro-Norte/BA, composta pelas Dioceses de Ruy Babosa, Senhor do Bonfim e Juazeiro com os parceiros da Associação de Advogados/as de Trabalhadores Rurais (AATR-BA), o Serviços de Assessoria a Organizações Populares Rurais (SASOP), o Instituto Regional de Agropecuária Apropriada (IRPAA) e a Escola Família Agrícola de Itiúba (EFAI).

Formação 2019

A formação nasceu a partir da necessidade de promover encontros e trocas de informações político-jurídicas com as lideranças de comunidades camponesas ameaçadas e impactadas por mineradoras e parques de energia eólica, em especial na região centro-norte baiana. Assim, buscou-se articular e mobilizar as/os impactadas/os de forma a fortalecer o seu modo de vida e a preservação dos biomas em que vivem, principalmente, a Caatinga e o Cerrado, por meio da multiplicação desses conhecimentos.

O curso foi realizado em cinco encontros presenciais, sendo três dias cada, a formação foi uma adaptação do Curso Jurista Leigos, promovida pela AATR. No decorrer das etapas foram abordados os temas: Quem Somos/Estado, Direitos e Movimentos Sociais; Direito à Terra e ao Território; Direito Ambiental; Defesa do Território e Mineração e Defesa dos Territórios e Energia Eólica.

Agora, um ano após a conclusão da formação, buscamos conhecer as vivências dos/as cursistas durante esse tempo. Vale ressaltar que, ao final do processo formativo, cada participante assumiu compromisso de manter o engajamento local, municipal e regional, reafirmando a luta em defesa do território e dos diversos modos de vida.

Formação 2019

Para conhecer um pouco as vivências dessas lideranças, a Comissão Pedagógica da formação enviou um questionário com perguntas para todo/as participantes do curso por e-mails e pelo grupo de WhatsApp. O levantamento das informações visa ter uma avaliação a respeito das práticas vivenciadas pelos cursistas, tendo em vista, também, a importância de socializar a experiência compartilhada. Cerca de um terço dos/as participantes responderam ao questionário.

Ao serem questionados sobre de qual maneira o curso contribuiu para a sua formação, algumas das respostas enviadas foram:

“Aprimorou os meus conhecimentos em relação aos direitos dos residentes do campo, fazendo com que tenhamos o absoluto cuidado com aqueles que a todo momento tentam nos excluir da sociedade. Esse processo de aprendizagem ao longo do curso fez com que eu ganhasse uma segurança na hora de defender nossos direitos a quem tenta nos ofuscar”;

“O debate e reflexões sobre temas comuns para as comunidades proporcionou pessoas habilitadas/preparadas para esclarecimentos sobre temas complexos, tipo leis e procedimentos que afetam as comunidades”;

“O curso contribuiu muito na minha formação…, será um aprendizado que levarei para os demais da minha comunidade da maneira simples e da forma que todos possam compreender”;

“Obtive muito conhecimento nessa área jurídica, que certamente será de grande utilidade, tanto na comunidade quanto no trabalho e em todo meio participativo nas lutas sociais”;

“O conhecimento com certeza foi a maior contribuição para minha formação, pois aprender sobre assuntos que estão presentes em muitas comunidades próximas ou até mesmo na nossa, e a gente poder ajudar é muito gratificante, e além de estar ajudando, estamos também nos fortalecendo”;

“Compreender atuação do Estado brasileiro sobre os territórios e comunidades tradicionais além de conhecer novos instrumentos que nos ajudam na defesa de nossos territórios”;

“Pude melhorar o meu olhar sobre a palavra DIREITO, sobre o saber jurídico e político de uma forma mais precisa a partir do chão em que piso e entendendo o contexto maior na sociedade”;

“Oportunidade de trocar experiências com diversas pessoas de outras comunidades e municípios que vivenciam as ofensivas do capital em seus territórios”.

Em seguida, ao serem questionados se houve alguma mudança na sua atitude em relação ao enfrentamento das questões estudadas/discutidas no curso e na sua participação na comunidade/entidade, todos e todas afirmaram que houve mudanças. Seguem alguns relatos:

“Entender como lidar em cada situação que passamos ou iremos passar nas nossas comunidades”;

“Mais segurança para orientar as comunidades diante dos problemas enfrentados e aumentou o conhecimento e embasamento para se trabalhar juntos as comunidades”;

“Estar compartilhando o que aprendemos no curso com as comunidades – realização de rodas de conversas”;

“Antes de participar da formação… não ligava muito para essas questões que envolvesse a comunidade, etc.. apenas por não ter o conhecimento e não saber a importância”;

“Lutar pelos meus direitos justos com os parceiros de outras entidades e movimentos sociais”;

“Atuação como militância pude melhorar minha participação na associação”;

Com relação às mudanças e às experiências ocorridas em função da sua participação no Juristas Leigos/as, descreveram que:

“Socializei as experiências adquiridas na EFA e na comunidade – a forma de como enfrentar as empresas”;

“Orientação para comunidades… no enfrentamento da tentativa de grilagem no território”;

“Saber como lidar com os invasores… sempre oriento a minha comunidade, pra não dá oportunidade as empresas, por que não tem nada de bom pra nós oferecer”;

“Já consigo dialogar com os grupos e comunidades sobre os deveres do estado e suas instituições e também os direitos que temos que buscar, já estou acompanhando algumas associações no apoio a fortalecer e no engajamento da articulação de fundo e fecho de pasto”;

“Me senti mais a vontade como mulher para estar na luta fortalecendo novos grupos, como também espalhando o que aprendi”;

“Comecei a contribuir em algumas demandas na comunidade, na documentação de terra, ação de abaixo-assinado por falta de água, denunciando algumas violações que vivemos e buscando mobilizar, fortalecer o povo da comunidade… parecer pouco, mas se não fosse ha formação eu não teria determinadas iniciativas”;

“Participação na articulação e criação de um dossiê junto as comunidades quilombolas de Nordestina impactadas pela mineração, elaboração do dossiê foi formalizado uma denuncia ao Ministério Público regional”.

Ao serem questionados se os conteúdos e as trocas de experiências proporcionadas no curso foram úteis para fortalecer os processos de resistência da sua comunidade e em caso afirmativo, de que forma isso se dava, os/as cursistas foram unânimes em afirmar que os conteúdos e as trocas de experiências fortaleceram a resistências de suas comunidades:

“Procurando fortalecer nossas comunidades com informações pelas quais são essenciais na busca de nossos direitos”;

“Me preparou para saber como agir em meio a situações caso venhamos a enfrentar”;

“O quanto é importante a permanência, o jeito de viver, às tradições culturais, e não deixar de lutar pelo os seu direito e permanência na comunidade”;

“O conhecimento, podemos resolver quase tudo… é a única coisa que ninguém conseguem tirar de você”;

“Consigo sugerir formas de agir em defesa do território e informar as pessoas sobre seus direitos enquanto comunidade”;

“Conhecendo outras experiências nos ajudam a enfrentar os nossos problemas”;

“A refletir sobre as nossas realidades, e com as trocas do saber jurídico podemos refletir criticamente e contribuir nos processos de resistência não só da nossa comunidade, mas dos movimentos sociais populares etc., buscando contribuir com a luta cotidiana”.

A respeito de quais conteúdos julgam terem sido mais apropriados a realidade de sua comunidade e por quê, vários Juristas ressaltam que todos os conteúdos foram importantes, mas destacaram o direito à terra e ao território, seguido por mineração e energia eólica.

“Lutando para permanecer com liberdade”;

“Fortaleceu o povo da minha comunidade de maneira cativante”;

“Devido as ameaças que as comunidade vem sofrendo”;

“Mostra todos os direitos e deveres quer nós temos, com à ocupação coletiva da terra”;

“Foi a partir destes conteúdos que a comunidade está começando a enxergar que precisamos lutar – por refletir a nossa realidade”;

“Dialoga com a realidade vivenciada pela comunidade”.

Por fim, foi perguntado se existem dificuldades de pôr em prática o aprendizado adquirido no curso e quais seria essas dificuldades. Sobre esta questão o grupo ficou dividido entre os que identificaram dificuldades ou não. Sobre as dificuldades reportaram que:

“Por falta de transportes, deslocamentos e alguns materiais para desenvolver alguns trabalhos”;

“Muita demanda para pouca gente atuando em favor das comunidades”;

“Pouco apoio das comunidades em estarem se mobilizando junto com você, hoje é uma minoria que topa realizar qualquer ação coletiva”;

“Dentro das comunidades ainda temos pessoas que apoiam as empresas, mineradoras, […] algumas pessoas são capazes de entregar qualquer informações ou planejamento”;

“Existem duas, uma é com relação às consultas de processos minerários e a outra é sobre a atenção que se deve ter em acompanhar as mudanças da legislação”;

“Dificuldades estão ligadas a própria realidade do meio jurídico que infelizmente, muitas das vezes, não está a serviço da classe trabalhadora e acaba defendendo os interesses dos grandes negócios”;

“Expressar e socializar os saberes”.

Já os/as que não identificaram dificuldades justificaram que:

“Quando necessário fazemos consulta aos módulos”;

“Temos fonte de recurso onde nos proporcione uma equipe que possa se dedicar ao assessoramento dessa natureza para as comunidades”;

“A comunidade está sempre contribuindo para o melhoramento, fortalecimento e resistência do povo”.

Levando-se em consideração a fala dos sujeitos nesta pesquisa realizada constatamos que a formação na modalidade de Juristas Leigos e Leigas, com ênfase das comunidades tradicionais, tem provocado mudanças no modo de agir, tendo em vista a defesa dos territórios tradicionais e do modo de vida das comunidades na região centro-norte baiano. 

Deste modo, a realização do Curso possibilitou, principalmente aos jovens e mulheres e aos demais sujeitos do campo, adquirir conhecimentos na área político-jurídica, estimulando o protagonismo e a sua autoestima no enfrentando aos grandes projetos do capital e a burocracia do Estado, motivados pela compreensão dos direitos, das partilhas entre os sujeitos envolvido e dos conflitos fundiários vivenciados nas comunidades.

O êxito da formação se deu por vários fatos, um deles foi a participação das instituições e movimentos parceiros em todo o processo de construção, principalmente no suporte pedagógico, financeiro e logístico para os/as cursistas; os conteúdos contextualizados e linguagem popular proporcionaram elementos dialético entre os saberes dos/das cursistas, mediadores/as e as comunidades.

Comprovamos por meio das vozes dos sujeitos da pesquisa algumas preocupações, que nos últimos tempos têm prejudicado às comunidades e a classe trabalhadora em geral, pois, os interesses individuais sobrepõem aos interesses coletivos com a chegada de grandes empreendimentos.

Por fim, espera-se que este trabalho contribua para uma reflexão a respeito de formação de lideranças camponesas, sobretudo do ponto de vista da luta em defesa dos direitos universais, dos seus territórios e modos de vida, numa perspectiva que possa proporcionar novos horizontes para esses sujeitos, visando a uma formação cidadã e capaz de transformar a sociedade.

Por: Equipe CPT Bahia – Centro Norte

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