Comissão Pastoral da Terra regional Centro-Oeste, Associação de Advogados/As de Trabalhadores/As Rurais (AATR – BA) e Escola de Ativismo
A escalada de violência contra as comunidades e povos tradicionais no Oeste da Bahia parece não ter fim. Na última quinta-feira, dia 04 de abril, os territórios de uso coletivo das comunidades de Fecho de Pasto de Morrinhos, Entre Morros e Gado Bravo, localizados nos municípios de Jaborandi e Correntina, tiveram seus territórios violados por prepostos de fazendeiros do agronegócio.
Neste ato violento foram destruídos mais de 120m de cerca, arrancaram cancelas e derrubados os ranchos usados como alojamento pelos fecheiros, deixando-os aterrorizados. Relatam eles que seus gados podem se perder, com grandes prejuízos e riscos para a sobrevivência de suas famílias. E, mais que isso, os animais podem se deslocar em direção à rodovia, com risco de provocar acidentes e outros transtornos. No dia 06 as famílias se reuniram para recolocar a cancela que havia sido retirada, enquanto recolhem o gado solto na área do fecho.
Questões jurídicas
Mais uma vez, os fecheiros foram surpreendidos por decisão judicial que tenta criminalizá-los e impedi-los de exercer o seu direito ancestral de viver em seus territórios tradicionais, cuidando do que resta do Cerrado em pé, em benefício de todos.
A ação que destruiu as benfeitorias das comunidades foi realizada pela Polícia Militar de Coribe em cumprimento de um mandado judicial de reintegração de posse. No entanto, a ação da PM extrapolou a área em questão, atingindo também território de outra comunidade. A atuação da polícia parece não ter seguido o rito necessário ao cumprimento do mandado, tendo sido realizado de maneira arbitrária, uma vez que a Casa Militar foi consultada e informou não ter recebido o mandado.
O processo judicial que ensejou a decisão foi proposto pela Associação do Fecho de Pasto de Entre Morros para proteger a posse histórica e tradicional da sua área de fecho diante da invasão de uma empresa do agronegócio. Frisa-se que esta área já foi reconhecida e delimitada como Área de Fecho de Pasto pela Superintendência de Desenvolvimento Agrário (SDA), órgão gestor das terras públicas do Estado da Bahia.
Após 19 anos do início da ação judicial e 15 anos de proferida a sentença, o atual Juiz da Comarca de Coribe, em tutela antecipada, decidiu pelo adiantamento dos efeitos da sentença, determinando que fosse cumprida a reintegração de posse da área utilizada tradicionalmente pelos fecheiros, mas em favor da parte ré – a empresa.
Não se pode falar em posse a ser reintegrada à empresa, já que as terras sempre estiveram em posse das comunidades até ser ameaçada pela mesma. O processo também incorreu em uma série de irregularidades e violação do direito à defesa da comunidade, que foi impedida de produzir provas orais, testemunhais e periciais. A empresa foi, portanto, favorecida no curso do processo, sem ter apresentado nenhuma prova da posse alegada.
Essas irregularidades foram apontadas pela Associação de Fundo de Pasto, sem que fossem consideradas. Ao contrário, o recurso de apelação contra a decisão de reintegração, interposto em 2010, não foi, até a data de expedição do mandado de reintegração, enviado ao Tribunal, que é o órgão competente para julgar o recurso. Ato processual que deveria ter sido realizado de imediato.
Somado a esses absurdos processuais, o magistrado que sentenciou na época contra a comunidade tradicional, de maneira infundamentada e com cerceamento de defesa, foi posteriormente afastado e aposentado compulsoriamente no ano de 2015 por ter infringido deveres funcionais da magistratura no período em que esteve à frente da Comarca de Coribe em casos relacionados às questões agrárias, como abertura e trancamento de matrículas de imóveis sem observar as devidas formalidades.
Missão do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) no Oeste da Bahia
Entre os dias 17 e 22 de março deste ano os territórios sob ataque receberam a visita da Comitiva da Missão do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), quando foram identificadas violações sistemáticas de direitos de povos e comunidades tradicionais. A Comitiva cumpriu diversas agendas com comunidades e órgãos públicos em Barreiras e Correntina. O objetivo da missão foi ouvir os relatos das comunidades sobre as violações de direitos ocorridas nos territórios a fim de denunciá-las aos órgãos competentes e propor recomendações que possam ajudar a frear os ataques e a garantir aos povos seu acesso à terra e aos territórios.
Omissão do Estado da Bahia
As comunidades tradicionais de Fundo e Fecho de Pasto do Oeste da Bahia, lutam para que se cumpra a Constituição da Bahia, reconhecendo o direito à posse das terras pelos moradores da região, que as utilizam de forma comunal há centenas de anos. A ausência da regularização fundiária dos territórios por parte do Governo do Estado tem deixado as comunidades expostas à violência e violações de seus direitos. É urgentíssimo que o governo não mais se omita, ou mesmo deixe de ser conivente, e passe a frear a grilagem das terras nessa região, acelerando as ações discriminatórias, além do bloqueio das matrículas de fazendas que incidem irregularmente sobre as comunidades.