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CPT BAHIA

Herança de luta – parte 1, por MAM-BA

por Taciere Santana, militante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM- BA*

Comunidade da Bocaina, em Piatã, na Chapada Diamantina é uma das impactadas pelo avanço da mineração na Bahia – Taciere Santana

Aos olhos e corações dos apaixonados por turismo, a Chapada Diamantina se apresenta fortemente como um dos lugares mais desejados e visitados do Brasil. O território de identidade é composto por cidades como Andaraí, Mucugê, Lençóis, Palmeiras, Rio de Contas e outras. É organizado, dessa maneira, com 24 municípios, porque segue os critérios adotados pela Secretaria de Cultura da Bahia (Secult) no que diz respeito às semelhanças ambientais, econômicas e culturais da região. Essas cidades possuem o comum da exploração de ouro e diamante nos séculos XVIII e XIX. Mucugê, por exemplo, foi a cidade da descoberta do diamante na Chapada, dando início ao ciclo de 30 anos de forte exploração nas lavras da pedra preciosa.

Durante o período colonial, cidades da Chapada foram foco na produção de minério, verificadas pela extensão da Estrada Real que cortava o território para o escoamento do produto. É visto também grande número de imóveis construídos nessa época e que hoje são tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), tendo em vista o contexto histórico. Essas marcas do século XVIII são alicerçadas pela premissa da colonização: a exploração e segregação do povo negro.

Dentre as heranças do período de formação da identidade da Chapada Diamantina, se observa a grande incidência de comunidades tradicionais remanescentes de quilombo. São um total de 76 comunidades, segundo dados, de 2019, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entre essas, estão as comunidades da Bocaina e Mocó, localizadas nas áreas de serra da cidade de Piatã. Essas comunidades passaram a ser exemplos de frente popular no contexto do conflito socioambiental. A comunidade está localizada nas proximidades da Mina Mocó, uma subsidiária da Brazil Iron Mineração Ltda, empresa privada com sede no Reino Unido. Moradores confirmam que a instalação da mina data de 2009 e que, desde então, passou pelo domínio de diversas empresas, ainda em fase de pesquisa.

Mina Mocó, na serra do Mocó, em Piatã / Taciere Santana

Impactos nocivos nas plantações


Segundo Vanusia Souza, moradora da comunidade, uma das lideranças no Movimento SOS Bocaina e Mocó, o impacto mais expressivo passou a ser observado após a posse da Mina Mocó pela Brazil Iron. A partir do entendimento dos efeitos danosos, moradores convocaram reuniões para tratar de pautas que estavam desestabilizando as vivências do povo.

“Estavam fazendo muita poeira, o barulho era muito grande e tinham caminhões passando muito rápido em frente às casas. A gente estava ficando incomodado com isso porque a poeira estava presente nas plantações, na água, nos móveis, e o barulho à noite estava nos atrapalhando”, afirma Souza.
As dificuldades de organizar reuniões e mudanças das ações da mineradora revelam um paradigma bem comum entre as empresas no Brasil, em especial as privadas: a violação da Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Quando podem ser impactadas por empreendimentos, de qualquer natureza, a Convenção lhes garante o direito à consulta livre e prévia em que a comunidade possa expor seus pontos e solicitar revisões nos planejamentos das empresas.

Vale salientar que Bocaina é habitada há pelo menos 200 anos, segundo relatos dos moradores. Dentre as manutenções socioeconômicas, a agricultura familiar é historicamente a base da comunidade, passando de geração para geração.

Diante da complexidade em entender as especificidades do processo da mineração, a comunidade recorreu à justiça a fim de entender as possíveis irregularidades da empresa. Souza relata que inicialmente foi perdido um ano de luta, ao contratar um advogado que garantira não haver irregularidade e, consequentemente, não ser um processo passível de reivindicação.

O que se seguiu foram promessas de resolução com prazos nunca cumpridos, gerando nos moradores um sentimento de invisibilidade, os levando a tornar suas revoltas um manifesto público. “Depois desse episódio, procuramos outros advogados ligados aos movimentos socioambientais e é aí que eles pegam o caso e descobrem que a empresa estava totalmente irregular”, diz Souza. Daí insurge a primeira manifestação da comunidade sobre os impactos causados pela mina. A Brazil Iron não possuía licenciamento específico para operação, emitido pelo Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema). Sua única licença era restrita à pesquisa, que prevê que esta deveria seguir os critérios adequados para aquela fase de extração.

Após essas descobertas, a luta se prolifera e é impulsionada pelo apoio dos movimentos populares. Souza expressa gratidão ao comentar sobre os laços que se formam na luta: “essa união de força tem feito a diferença. Por mais que a comunidade esteja organizada, eu acho que a gente não teria força para avançar tanto, igual avançamos. Porque cada conquista que a gente tem aqui é graças a essas alianças, essas parcerias. Eu sinto que desde a manifestação foi formando uma rede, uma rede tão bonita, e é graças a isso que a gente tá conseguindo os avanços”.

Recentemente a Agência Nacional de Mineração (ANM) aprovou dois relatórios de pesquisa na Brazil Iron, mesmo a empresa ainda estando em situação irregular junto ao Inema. A Mina Mocó continua legalmente impossibilitada de voltar as atividades, e o Inema se mostra como a última barreira a esse iminente retorno, uma vez que a mineradora já possui autorização para requerer a exploração de lavra emitida pela autarquia federal. Diante dessa nova pressão, a comunidade segue intensificando seus manifestos de repúdio e coletando apoios de diversos grupos e entidades.

* Texto publicado originalmente no blog Chapada em Revista.

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Gabriela Amorim

***Esta versão reproduz a publicação na coluna do MAM no jornal Brasil de Fato -BA em 20 de fevereiro de 2024.

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